quinta-feira, outubro 29, 2009

Despostando




Sobre a tal da inspiração.

A arte - essa que não é dos engenhos
Essa que não tece-se sobre fio algum
Mas sob uma corda estreita
De transparência confusa
Corda que puxamos as pontas
Mas a fronha não desfalece
Peça rara pendurada na parede
Como um mural de recados do mundo
Mas só em gesto, movimentos de cor
Chama lançada no olhar em silêncio

A arte- essa que não é simplesmente palavra
Sobriamente comunicante
Essa que nos constroi o dentro
Que não conhece mãos tolhidas
Ou rugas no rosto de velha novidade

Arte, essa do tamanho de uma formiga
Com asas enormes - sem medo das gravidades
Essa que te respira e de repente muda de direção
Que pode morrer despida
Essa ou aquela
Bebida amarga e derrelida
Líquida, essa, não consegue deixar de viver
Dentro dos olhos
Inconfundível
Sua saliva, suas narinas
seus fluidos
Marcas dos dedos sinestésicos
Fedida de humanidade gritante
Aberta de ontens
Fechada do não esquecer

Arte-essa
Que se respira e muda
De direção de repente
Ser  que - de quando em quando - não é.



Pensamento(tecido da cortina do palco): (voz do narrador)
A inspiração é o que simplesmente difere um artista de um artesão.
O artesão busca o igual no seu melhor
O artista busca o melhor no seu igual.

terça-feira, outubro 20, 2009

Encarnando a personagem





Idéias sem caule (por Cláudia Rocha em Outubro 2009)

Preciso de um amor preto e branco
Diferente do vermelho dos seus membros
Que não seja apenas leve com as mãos
e bem lento
Mas que provoque um certo arrepio
Como se roçasse uma folha em cada poro
Mas que essa folha fosse um assopro
E a pele fosse o pensamento enorme
Que nos reveste o corpo sob os lençois
Quero um amor meu de pouco tocar e mt perto
Mt tangenciado pelo quente
Mt quente e dentro
Preciso de menos vermelho e verde nesses lábios
Preciso de menos flores pelos olhos
Preciso olhar sua carne
E pensar vc: um aroma  que morde
E que deliciosa sua fome de mim
Rasgada ao meio das pernas, pelas bocas
abandonada nas pétalas dos dedos
e sermos terra em longo caule
e nos cobrindo um ao outro
façamos o sexo dos verbos e sementes
E seivas mais sublimes





sexta-feira, outubro 16, 2009

... *explosão*

Poesia despreocupada (por Cláudia Rocha - 2008/28 de outubro)

Estou cansada da poesia de olhos turvos
Encarando uma manhã de dentes prostrados
Corridinha de raios abertos noutro lado do mundo
Desembaraçada mas sem qualquer gesto
Pelada, ah, mas coberta de enfados e torpor
Fico morta aos solavancos da poesia sem perfume
Sem a música dos versos ou com rima de roda
Como musiquinha triste de cidade de interior da gente
Que parece tudo muito borrado, tudo muito parede mal-pintada
Perco meu ar de brisa livre
Com essa poesia estendida de todos os dias
De todas as gentes que pegam metro e trem
De todos que vão lá ver a volta que o mundo deu
Pra chegar a lugar nenhum
Não gosto da carne sem sabor de uma música feia
Que alguns olhos em breu se perfazem
Meu gosto é pela poesia sem lugares
Sem personagens, sem palco ou corpo pra morrer
Quero aquela poesia que se esquece de ser viva ou miragem
Que foge do propósito do pulso e das veias
Mas nem por isso é morta na linguagem do saber
Mal-falada ou mal-compreendida
Sem precisar deixar a gente sem graça ou com pena de entender
Ou com raiva do que ela poderia ter sido e não foi, derrelida
Eu quero aquela poesia que a gente escreve sem precisar reler
Pra ver que não era prosa, porque não precisaria ser
Bendita e falada em mar alto pra ter alguma voz
Entendida ao meio tom por caber num sussuro de todos os sons
Uma poesia sem linhas, que não manifeste o cansaço de um dia inteiro
De um ano de rios de janeiro a dezembros
Uma poesia sem tempo de relógio, sem portas de armário
Daquelas que quando vc olhe, não veja início ou fim
Como um desabafo em consolo de mim pra mim
Nesse borralho de mundo magoado
Esquecendo que seria de mim para ti
O meu caso de poesia é meu caso de amor
Ela tem que ser eu, ela tem que ser seu
Ela tem que dizer o que é voce antes do dia acabar
Antes dos olhos perceberem que está tarde pra dormir
Pois vc acabou de deitar - nesse vestido de azul
Pois ela já puxou seus braços pra si
E te abraçou.

sexta-feira, outubro 09, 2009

As crianças que fomos ontem - por Cláudia Rocha em setembro de 2009

As pessoas na velha face
De novidade
Tentam ser outras mas
Uma nova ilusão de vaidade
São as mesmas
Crianças abobalhadas
Velhas caducas
Na frente do espelho

As pessoas tentam ser boas
Com suas roupas e marcas e dentes
E sapatos e bolsas e mentem
Pq toda bondade de uma etiqueta
Não disfarça a maldade dos olhos

As pessoas são tão tolas
São amarelas e azuis
São vermelhas no sangue
Negras na pupila
Proteínas e adrenalina
Com sede de se dizer loucuras
Como a eternidade
Como a invencibilidade
Como histórias de amor sem cura

Bobagem
Tudo é bobagem
Quando eu olho pela jnela
E vejo a dor de outrém
Sou estupidamente nada
Dentro dela
Sou cretinamente alguém
Como todo mundo
Que sempre se esquece
Que nunca que se lembra
Que nada dura pra sempre

As pessoas crescem como arvores
Florescem bonitas ou não
Mas tanto faz
As pessoas envelhecem
As pessoas perdem seu pudor
E o unico poder
De ser humano - incansavelmente
No seu sabor sem sabor de gente
No seu mundinho de enganada cor
Lotada de esterco e sementes
E prazer sem prazer.


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Foto "Nudez Civilizada" retirada do trabalho de Arte e Comunicação (Cláudia Rocha e Hannah Sloboda) fazendo menção a uma obra de Ananké Assef "Fragmentos do Paraíso" em 8 de outubro de 2009