quinta-feira, junho 30, 2011

Lado de dentro, lado de fora.



Sonhos são os móveis de uma casa.
Quando somos pequenos, temos a ilusão em tom pastel, de todas as formas. O inédito do mundo assim: às caras. O berço, vira uma mini-cama. Hora de trocar os lençois, e o papel de parede, deixar as chupetas e chocalhos, de parar de levar sustos e entender que não podemos algumas coisas, porém as possibilidades são infinitas. Alguém te dá um pedaço de papel e você faz um desenho bonito e despreocupado. Você já quer andar, já consegue fugir do seu cercado de amparos. Já ri de diversas histórias e daqui a pouco pode aprender sobre contos de fadas e desenhos animados. Seus móveis são enormes e inalcançados, composição de lembranças.

Aos poucos entramos no hiper colorido mundo em quadrinhos das histórias. Nosso maior sonho é uma casa de geléia, um automóvel que voa, um super-herói, um cachorro que fala. Nossas super-coisas são simples, mudam apenas de cor e ganham um pouco mais de solo fertil na terra das invenções. Não conhecemos outra realidade e estamos num quarto totalmente iluminado em que olhar para fora é vil e desnecessario, tendo, no dentro, todos os elementos da soberba diversão, essa: a que buscamos para todo o resto da vida. Aprendemos a ler, ganhamos novos armários e cômodas. Uma boneca gigante, uma cama em formato de foguete. Os objetos tomam a forma divertida das idéias. Fugimos do chão, corremos para o teto. Conhecemos as janelas e os rostos alheios. Temos amigos e jogos para 5 pessoas. Quebra-cabeças, video game, pula-pirata, banco imobiliário. Simulamos o mundo, inventamos um novo, quebramos as grades.
Ficamos velhos e grandes, empurramos os móveis.

Temos agora uma cama, um armário colorido e um poster de algum ídolo. Um skate, um par de patins, bolas de basquete. Nossos sonhos são móveis do nosso tamanho - quase podemos entrar numa marcenaria e fabricá-los. Vestimos a camisa de um time, uma pose de um superstar, uma sapatilha de bailarina. Somos alguém para o mundo que nos aponta: gordos, magros, feios, bonitos, simpáticos, tímidos. Desejamos coisas, pessoas, escancaramos a janela, quase saimos pela boca. Batemos a porta com revolta. Ouvimos o que queremos, sabemos demais, afinal, estamos descobrindo. Somos grandes para muitos momentos e pequenos para todo o resto. Nossas gavetas mal cabem as roupas e idéias. Lemos, pintamos, tocamos, achamos, expressamos. Somos e ponto final, vamos trocar todos esses armários!

Ganhamos um laptop para fazer o dever da escola, uma luminária para os dias que entardecerem. Somos alguma faixa no karatê e algum nível na natação. Temos um blog mimoso para meninas semi-adultas. Lemos revistas de fofocas e fazemos testes. Somos os melhores em Química e participamos do clube de ciências e matemática. Jogamos por muitas madrugadas aplicativos online, sabemos todos os cheats e códigos. Nossas roupas são para os outros, ou simplesmente tanto faz. Depende dos móveis. Alguns já procuram o perfume do pai, outras os saltos da mãe. Importamos coisas para nosso quarto, virtual e real.
Um porta-retrato sobre a cabeceira ou um coração de pelúcia sobre a cama. Um tempo, que voa no relógio da parede.

Jogamos fora os livros do ensino médio e guardamos bem os livros que compramos com o nosso cartão de crédito. Na velha estante só fica o que tecemos com a memória: Literatura, ficcção, história em quadrinho. Na nova estante, livros de Economia, direito constitucional ou teoria política. Jogamos com bom grado, pela porta afora, os velhos livros de vestibular e causas impossíveis. Trocamos os móveis de lugar de novo. Pouco espaço, muitas recordações. Pegamos o velho violão e as velhas jovens coisas, guardamos num local seguro. Separamos a calça social e a blusa na cadeira para o dia seguinte. Algumas maquiagens na estante e produtos de beleza, ou apenas pós barba. Temos um carro, uma moto  ou então  apenas a identidade e a carteira da faculdade. Não temos hora para voltar. Nossos móveis ficam e esquecemos do mundo um pouco para viver o lá fora, além da janela. Ou então ficamos em casa em pleno Sábado à noite, cansados, pós reunião de trabalho, decepções e conquistas. Colocamos as mochilas e bolsas no chão do quarto e dormimos sem porém.

Por vezes, a cama vazia, sente saudades da luz acesa. O lá fora é gigante, e nem sempre voltamos.
Alguém a mais entra no nosso quarto e passa a compartilhar por alguns momentos nossos móveis. Além das pessoas de antes, e dos amigos e amigas, alguém-alguém. Vemos um filme, comemos pipocas, ficamos na internet fazendo bobagens ou lendo coisas interessantes. Ora conhecemos outros móveis, ora mostramos os nossos. Constante ou inconstante, o tempo passa ainda mais depressa. Empurramos os moveis de novo, algumas vezes. Pedimos ajuda pra empurrar, diferente quando eramos crianças e as coisas se mudavam sozinhas. Decidimos por um quarto maior, uma casa amba, mudamos de lugar, levamos os móveis conosco. Alguns põe em guarda-móveis. Alguns jogam fora. Alguns não se mudam não.

De repente, os móveis vão embora para entrar outros. As vezes vão embora para o quarto ao lado. Berço, mini-cama, tons pasteis, tudo de novo fazendo companhia para a sua janela. Pintam sua porta de branco, rodapés, papeis de parede. Então você se vê, dividido ao meio, sendo dois. E o seu tamanho gigante naquele quarto minusculo, vendo do ângulo contrário. E ainda no projeto ou na embalagem - os móveis novos que um dia você vai ajudar a mudar de lugar.


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