quarta-feira, maio 11, 2011

Todo o dia é dia das mães

Todo o dia é dia das mães (por Cláudia Rocha)
 
Todo dia é dia das lojas.
Dia de abrir liquidação do estoque anterior. Dia de conferir o caixa.
Dia de pensar na sedução mental mais eficaz, no preço-produto-preço-benefício-custo-lucro... Todo o dia é dia do dinheiro.
Do objeto de plástico. Dia do contra-cheque e dos talões de prazo.

Todo dia é dia do tempo.
Mesmo que ele sempre chegue amanhã e seja tarde demais na maioria das vezes.
Dia de abrir um presente que eu poderia não ter exatamente comprado. Todo dia podemos fabricar algumas coisas e gestos, vitrine a vitrine. Dia de prazos e jobs. Amanhã por exemplo é dia de alguém entregar um caderno de idéias, ou ser seduzido por elas.
Do relógio, da bolsa, do que se deteriora.

Todo o dia é dia de alguma gente.
Mãe, criança, pai, avô, Natal, Coelho da Páscoa. Todo dia tem um preço embutido na minha mão que te agrada.
Dia com etiqueta de lavar com cuidado. Dia pra trocar no outro, pagar parcelado. Todo dia é dia de fabricar uma canção sem som.
Do mesmo modo que olhamos em silêncio, todas as coisas querendo serem compradas por nós.

Todo dia é dia de alguma emoção com preço.
Dia de apreço, de agrado, dia de sermos tolos e financiarmos todos os sonhos dos outros. Dia de parirmos o mundo com a barriga das vontades, colocarmos tudo dentro, e não deixar nem a realidade virtual para fora. Olhar para cada coisa feita, idéia prensada em tecido. Todo dia é dia de abrir os ouvidos e os olhos para cegamente amar e nunca aprender a ouvir as vozes alheias. Todo dia somos um produto no estoque do mundo, e entendemos, preciosos, que somos algo além da mais-valia.
Da mesma prateleira, do mesmo material.

Todo dia vamos ser mais do que podemos ser.
Vamos nos vender e comprar migalhas em troca, ou trocar nossas migalhas por alguma coisa orgânica, viva ou comestível. Todo mundo vai atribuir uma figura à sua embalagem. Todo mundo vai decorar com afinco a sua propria embalagem. Mas todos somos embalagens de presente rasgados nas mãos de crianças, ou da mera ocasião.
Todos os dias nos entregaremos inteiros e voltaremos meios, vendidos e nem sempre comprados.
Todos os dias, mães de tudo, vaidosos, e filhos também: do que restou com a nota fiscal.

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